terça-feira, 10 de abril de 2007

TRANSDISCIPLINARIDADE E O SER - O Paradigma Transpessoal



Isabel Cristina de Albuquerque

A transdisciplinaridade, segundo Nicolescu, se refere "aquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente..." (Nicolescu, p.51, 2001). Isto nos remete aos vários níveis da Realidade e de Percepção apontados pelo autor, além das zonas de não-resistência relativas a cada um, o que passamos a indicar mais a frente.

O paradigma transpessoal é a base da psicologia transpessoal que tem por objeto de estudo os estados incomuns de consciência. Estes estados incomuns experimentados pelo ser permitiriam um acesso a diferentes dimensões da realidade, a partir de diferentes níveis de percepção. A Psicologia Transpessoal aparece, na evolução dos estudos sobre a psique humana, como a Quarta Força, sendo a primeira o Beharviorismo; a segunda, a Psicanálise; a terceira, o Humanismo.

Assim, o que estaremos propondo aqui é que a zona de não-resistência da transdisciplinaridade - o sagrado - indicado por Basarab Nicolescu, pode ser construído (ou mesmo é construído) a partir das experiências dos estados incomuns de consciência e estas serem instrumentos para construção do conhecimento, a partir do trânsito da consciência pela vertical de acessamento cognitivo que atravessa os níveis de Realidade.

A Transdisciplinaridade

A partir dos três pilares básicos da transdisciplinaridade: os níveis de Realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade, indicados por Nicolescu, e que esta "se interessa pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis de Realidade ao mesmo tempo." (Nicolescu, p.52, 2001), o conhecimento da realidade passa por uma estrutura descontínua, exigindo uma pesquisa que permita considerar os diversos níveis de percepção do ser. Os níveis de percepção do sujeito, sua multirreferencialidade, são o resultado de seu histórico de referência, crenças e valores - sua ontogenia - a partir de onde ele passa a perceber a realidade. Assim, este sujeito e seus níveis de percepção compõem o Sujeito Transdisciplinar.

A visão multidimensional da realidade apresentada pela física quântica, nos sugere que a realidade comporta um certo número de níveis, onde as leis que definem um nível não são as mesmas que definem o nível adjacente. Onde há ruptura de leis gerais e conceitos fundamentais, ocorre a existência de um nível de realidade distinto dos demais. A descontinuidade do mundo quântico também é encontrada nos níveis de Realidade. Os níveis de Realidade observados compõem o Objeto Transdisciplinar.

A lógica apresentada por Stéphane Lupasco, em O Homem e suas três éticas, rompe com a possibilidade de exclusão dos diversos elementos constitutivos da Realidade, na medida em que esclarece que, quando se identifica um elemento como sendo A e outro não-A, existe um terceiro elemento que pode ser tanto A como não-A, mas que ocorre em um outro nível de Realidade. A unidade criada a partir da ligação dos diversos terceiros elementos que se encontram nos diversos níveis de realidade dá, a este conjunto de níveis, uma coerência e uma orientação na transmissão de informações que entre eles ocorre. Esta ligação tem como resultado a construção da vertical de acessamento cognitivo, proposta por Daniel Silva (1999) como o espaço vertical de cognoscência entre as diversas dimensões da realidade e diversas percepções, cujo acesso se dá sem resistência epistêmica, conceitual e lingüística.

À medida que as pesquisas científicas se consolidam, a complexidade dos fenômenos evidencia-se como um catalisador na desconstrução da visão clássica do mundo, expandindo o conhecimento para além dos primeiros níveis subatômicos da matéria. Descrever os processos observados no mundo microfísico exigiu dos cientistas equações complexas, que nem sempre podiam explicar fenômenos no mundo macrofísico. E como realça Nicolescu: "A complexidade social sublinha, até o paroxismo, a complexidade que invade todos os campos do conhecimento." (Nicolescu, p. 45, 2001). E mais adianta salienta: "O conflito entre a vida individual e a vida social aprofunda-se num ritmo acelerado. E como podemos sonhar com uma harmonia social baseada na aniquilação do ser interior?" (Nicolescu, p. 45, 2001).

Este ser interior é parte do objeto de estudo da Psicologia Transpessoal que passamos a indicar.

O Paradigma Transpessoal

O interesse pelos estudos da consciência tem crescido muito nos últimos tempos, na tentativa de buscar uma alternativa para a degradação geral que assola o mundo. O que é demonstrado pela crescente procura pela literatura oriental, literatura de auto-ajuda, evidenciado pelos livros que encabeçam as listas dos mais vendidos, práticas de meditação e outras práticas espirituais. Paralelamente a isto, pesquisas clínicas no campo da mente têm sido desenvolvidas em todo mundo.

As grandes tradições espirituais do Oriente como a Yoga, o Taoísmo, o Zen-budismo, acumularam uma quantidade de conhecimento sobre a psique humana que a ciência ocidental não produziu até então. E permanecem descartadas pela ciência clássica rotuladas como superstição, crenças primitivas, etc.

Alguns cientistas, entre eles Jules Eisenbud, Stanley Krippner, Gardner Murphy têm se dedicado a estudos envolvendo estados de consciência que evidenciam a telepatia, a clarividência, projeção astral, visão à distância, e outros.

De acordo com Stanislav Grof, em sua obra Além do Cérebro, citada por Alírio de Cerqueira, os estados incomuns de consciência possuem basicamente as seguintes características:

* seqüências com nitidez e realismo além do percebido no mundo normal;
* seqüências musicais
* visões tridimensionais;
* transcendência de espaço e tempo, não apresentando linearidade seqüencial;
* cenas de diferentes contextos históricos aparecem conectadas de forma significativa;
* percepção de espaço com várias dimensões;
* não existe distinção entre o indivíduo e os objetos e o espaço onde ocorre a experiência, com transcendência entre matéria, energia e consciência;
* simultaneidade ou alternância de identidades, sem ruptura da unidade existente;

As experiências de estados incomuns de consciência apresentadas por Grof são de 3 tipos:

- estéticas ou abstratas - não possuem conteúdo simbólico específico, sem relação com a personalidade do sujeito;
- psicodinâmicas, biográficas ou rememorativas - reviver de memórias relevantes do ponto de vista emocional, desde de os primeiros dias de vida;
- transpessoais - telepatia, psicometria, premonição, clarividência, experiências "fora do corpo", psicodiagnóstico, entre outros, onde ocorre a transcendência das limitações temporais e espaciais, com acesso às novas informações a partir dos canais extra-sensoriais.

As experiências transpessoais esbarram de forma brutal nos princípios fundamentais da ciência mecanicista, por implicarem na relatividade dos fenômenos naturais, conexões que ocorrem em locais indefinidos do Universo, não-linearidade do tempo, entre outras.

A partir do princípio da complementaridade de Niels Bohr, onde a discrepância entre dois aspectos mutuamente exclusivos da realidade passa a ser aceita para descrever um fenômeno e sendo esta dualidade resultado da interação entre objeto observado e o observador, podemos inferir que aí também se apresenta a lógica do terceiro incluído, na existência de diferentes níveis de Realidade.

A estas considerações acrescente-se o que nos indica Alírio de Cerqueira: "Os cientistas sondaram as mais profundas estruturas da matéria e estudaram os aspectos variados dos processos do universo é, por isso, a noção de substância sólida foi desaparecendo gradualmente, deixando apenas modelos arquetípicos, fórmulas matemáticas abstratas ou ordem universal. Não parece, pois, extravagante acolher a possibilidade de que a consciência é o princípio conectivo na rede cósmica, como atributo primário e ulterior da existência." (Cerqueira, p. 40, 2002).

As experiências transpessoais também aparecem associadas a eventos do mundo exterior de forma não explicável pela causalidade linear. Isto foi evidenciado por Carl Gustav Jung, que identificou esta associação como um princípio conectivo não-causal, o sincronismo. Este sincronismo é dado pela ocorrência simultânea de um certo estado psíquico e um (ou mais) evento externo que possui um paralelismo significativo ao estado subjetivo do momento. Não seria este movimento o caminhar pela vertical de acessamento cognitivo, através dos diversos níveis de Realidade?

O Diálogo

Agora nos propomos a construir um diálogo entre as duas idéias apresentadas acima, partindo de suas bases epistemológicas, que nos apresentam uma zona de não-resistência, onde identificamos elementos comuns para o desafio proposto.

Assim, seguem nossos apontamentos:

*
os níveis de Realidade definem a multidimensionalidade do Real;
*
as zonas de não-resistência são definidas para além dos limites de nossa condição física;
*
os níveis de Percepção definem a multirreferencialidade do Real, na medida em que é a relação entre o objeto observado e o observador que definem cada nível de Percepção;
*
a zona de não-resistência é dada pelo sagrado - aquilo que não pode ser racionalizado, de acordo com Basarab Nicolescu, por fazer parte da experiência vivida por cada ser humano;
*
os níveis de Realidade podem ser unidos através da cadeia dos terceiros elementos incluídos, que formam uma vertical de acessamento cognitivo, conforme proposto por Daniel Silva(1999);

A partir disso, concluímos que o ser, que atravessa a existência em inúmeras experiências em estado incomuns de consciência, constrói seu conhecimento de forma transdisciplinar, mesmo que a isto não se dê conta. Esta construção passa pelo acessamento das múltiplas idéias existentes nos diversos níveis de Realidade, razão porque é fácil identificar pessoas distintas com a mesma idéia.

A transdisciplinaridade apresenta-se, desta forma, como uma metodologia para o estudo do acessamento da consciência, aos diversos níveis de Percepção e Realidade, o que consolida o paradigma Transpessoal.

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