quarta-feira, 11 de abril de 2007

ESTADOS DE CONSCIÊNCIA: O COMUM E O HOLOTRÓPICO



ÁLVARO JARDIM

Publicado na coluna Opinião, do jornal "O POPULAR",
Goiânia - GO, em 17/07/02.

Dentro da visão teórica e prática do Dr. Stanislav Grof, MD, eminente cientista e professor acadêmico, a psicologia e a psiquiatria tradicionais têm estabelecido limites para o estudo destas ciências e para o que elas têm denominado de científico, tendo como base o paradigma newtoniano-cartesiano.

Estes campos de estudo consideram estados ditos "normais" ou ordinários, ou ainda, usuais de consciência quando experienciamos nós próprios como existindo, dentro de limites do corpo físico, e a nossa percepção do meio em que vivemos está restrita ao alcance dos cinco sentidos. Tanto nossa percepção interna quanto nossa percepção externa estão confinadas aos limites de tempo e espaço. Podemos nos lembrar do passado e o futuro pode ser imaginado ou fantasiado, mas tanto um como o outro não estão disponíveis para uma experiência direta. Quando vivenciamos o transpessoal uma ou mais das limitações descritas acima parecem ser transcendidas. Isto pode ocorrer quer através de técnicas (antigas e aborígines e, também, psicológicas) utilizadas para alcançar esta transcendência, ou através de drogas, ou, ainda, de forma espontânea.

Se tivermos como base a discussão acima, as experiências transpessoais podem ser definidas como expansões experienciais ou extensões da consciência além dos limites usuais, ou seja, ditos "normais" ou ordinários do ego corpóreo dos cinco sentidos e além dos limites de tempo e espaço. Estas experiências cobrem um alcance extremamente amplo de fenômenos, que ocorrem em diferentes níveis de realidade, pois num certo sentido, todo o espectro de experiências transpessoais tem a dimensão da própria existência.

É lógico que para falarmos sobre estados incomuns ou não usuais, ou ainda, não ordinários de consciência teríamos que trazer um conceito que Grof, em 1992, introduziu e cunhou o termo holotrópico, após trinta anos de exaustivas pesquisas de estados incomuns de consciência. Diz ele: "esta palavra composta significa literalmente orientado para a totalidade/inteireza ou indo em direção à totalidade/inteireza (do grego holos = totalidade/inteireza e trepein = indo em direção a algo)". Ele sugere que: "no estado de consciência ordinário, do cotidiano, identificamo-nos com apenas uma pequena fração de quem realmente somos. Nos estados holotrópicos, podemos transcender as fronteiras restritas do ego corporal e reivindicar nossa identidade total".

O interesse primeiro de Grof objetivava enfocar os aspectos heurísticos desses estados, ou seja, de como eles podem contribuir para nossa compreensão da natureza da consciência e da psique humana.

Na realidade, a consciência pode ser profundamente modificada por uma variedade de processos patológicos. Só para darmos alguns exemplos, citamos aqui os traumas cerebrais, por intoxicações com venenos químicos, por infecções, ou por processos degenerativos ou de circulação no cérebro. É evidente que tais condições podem resultar em profundas mudanças mentais, que poderiam ser qualificadas à categoria de "estados incomuns, ou não comuns, ou não usuais, ou ainda, não ordinários de consciência". Mas, para nossa colocação aqui, são irrelevantes os danos causados por estes traumas cerebrais, que seriam os "delírios triviais" ou "psicoses orgânicas", mas que não deixariam de ser importantes clinicamente. Quem sofre de tais estados encontram-se desorientadas. Elas não sabem quem são, onde estão ou que dia é, além de suas funções intelectuais se apresentarem danificadas de modo significativo e, ainda, sofrerem de amnésia após suas experiências.

Os estados que Grof denominou holotrópico são um grande e importante subgrupo de estados não comuns de consciência, que apresentam uma diferença bastante significativa dos restantes e traz uma fonte inestimável de novas informações sobre a psique humana, tanto na saúde quanto na doença. Além disso, ele tem um notável potencial terapêutico e transformador. Grof diz, ainda, "achei difícil acreditar que a psiquiatria contemporânea não reconheça suas especificidades e não tenha terminologia especial para elas".

Michael Harner (1980), que é um antropólogo americano bem conceituado no meio acadêmico, aponta à psiquiatria ocidental uma visão tendenciosa grave, através de dois modos bem significativos:

- considera, como a única visão correta, a sua própria visão da psique humana e da realidade;
- considera apenas as experiências e observações realizadas nos estados comuns ou ordinários de consciência.

Grof afirma ainda que: "a falta de interesse e o pouco caso dos psiquiatras em relação aos estados holotrópicos resultou em uma abordagem culturalmente insensível e uma tendência a considerar patológicas todas as atividades que não podem ser compreendidas, no contexto estreito do paradigma materialista monístico. Isto inclui a vida ritual e espiritual de culturas antigas e pré-industriais e toda a história espiritual da humanidade. Ao mesmo tempo, essa atitude também ofuscou o desafio crítico conceitual que o estudo de estados holotrópicos traz para a teoria e a prática da psiquiatria".

Grof propõe, após mais de 40 anos de pesquisa com estados holotrópicos de consciência, um estudo sistemático das experiências e observações associadas aos estados holotrópicos porque tem a certeza de que tais procedimentos recairiam em uma revisão radical de nossas idéias básicas sobre a consciência e a psique humana, e a uma abordagem completamente nova da psiquiatria, da psicologia e da psicoterapia.



Referências Bibliográficas:

Grof, S. Psicologia do Futuro: Lições das Pesquisas Modernas de Consciência. Niterói, RJ: Heresis, 2000.
Grof, S. A Aventura da Autodescoberta. São Paulo: Summus, 1997.
Harner, Michael. O Caminho do Xamã. São Paulo: Cultrix, 1995.

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