sábado, 31 de março de 2007


PSICOTERAPIA CORPORAL


por Jak Jony Faria Mota

Esta linha terapêutica é uma das propostas do trabalho do BIOCENTRUM e é galgada na segunda dimensão do homem: o corpo físico. Em nossa síntese teórica, nós a incluímos no rol das Teorias Biocêntricas, ou seja, aquelas proposições em que a VIDA é colocada no centro de qualquer atenção ou procedimento terapêutico.
Suas bases devem-se em grande parte ao trabalho de um médico que freqüentava os ciclos de psicanálise na virada do século, mas que foi desenvolvendo concepções divergentes de seu grupo original. Enquanto a tendência vigente era concentrar o estudo da psique somente a nível intelectual, Reich foi desenvolvendo propostas paralelas da interação entre a psique e o corpo. Não que esta idéia não existisse antes, afinal a histeria era muito estudada na época e via de regra apresenta sinais físicos. A diferença estava na via de acesso da psique; enquanto a linha psicanalítica trabalhava somente à nível intelectual e emocional, a psicoterapia corporal apresentava técnicas de acesso ao material psíquico através do corpo. Alguns dados sobre este pesquisador são importantes para contextualizar seu trabalho.
Reich estudou com Freud, porém agregou novos conhecimentos às teorias vigentes através do conceito de potência orgástica, que ele traduzia pela capacidade do organismo humano entregar-se a vivência das emoções. Para ele este seria o conceito de saúde e todo seu trabalho psicoterapêutico visava devolver ao ser humano esta capacidade, perdida muitas vezes em virtude de contrações que impediam a circulação da energia vital.
Outro pesquisador importante para o trabalho psicocorporal foi SCHULTZ, que originalmente não participava dos grupos psicanalíticos, pois desenvolvia um trabalho independente e mais voltado para a neurologia. Mais tarde até foi diretor do Instituto de Psicanálise de Berlim. Ele possui uma contribuição bastante importante por ter pesquisado sobre disciplinas corporais no Oriente e ter adaptado este conhecimento tradicional com a ciência moderna, resultando em um sistema de grande eficácia.
Atualmente é inegável reconhecer a profunda relação entre corpo e mente, pois alguns fatos que a comprovam estão bastante próximos de todos. Quem já levou um susto sabe das implicações físicas associadas, como suspensão respiratória, taquicardia e até perda dos sentidos, conforme o caso. A tristeza também pode desencadear sintomas como o rebaixamento da temperatura corporal ou a queda da pressão arterial e, ao contrário, a alegria pode ter um efeito inverso no organismo. Além disso, a medicina psicossomática não deixa de publicar pesquisas que demonstram a correlação corpo / mente.
Basicamente, a psicoterapia corporal concentra seu foco de ação sobre a respiração e os músculos e suas alterações provocadas por fatos psíquicos. Uma vez que determinadas situações encontram-se consolidadas em nossa musculatura, há uma história registrada em nosso organismo, que pode ser resgatada e trabalhada afim de tornar-se mais clara e consciente para nós. Sua finalidade, naturalmente, seria a eliminação de condições patológicas ou o desenvolvimento de potenciais que se encontram bloqueados por tensões ou insuficiências físicas.
REICH sistematizou o conceito de couraça muscular como uma região do organismo incapaz de pulsar livremente, ou seja, incapaz de realizar os movimentos de contração e expansão que são naturais no corpo humano. Estes movimentos estão presentes na respiração, no batimento cardíaco e no movimento muscular e determinadas regiões seriam incapazes de realizá-los justamente porque encontram sua elasticidade comprometida em função de problemas não resolvidos que ficaram lá "depositados" por assim dizer. É o que GAIARSA chamou de afetos posturalizados, ou seja, experiências intensas que não conseguiram ser assimiladas em sua totalidade pelo ser humano em questão e que precisaram instalar-se em algum local para permitir o prosseguimento da vida.
Estas situações são comuns, pois é freqüente pessoas se queixarem de dores físicas associadas a experiências desagradáveis. Alguns indivíduos sentem dores de cabeça quando são obrigados a trabalhar muito, outros sentem dores no estômago quando ficam impotentes diante de algumas situações e outros ainda, ao não conseguirem expressar sua raiva ou indignação com algum fato, queixam-se de dores de garganta.
Durante suas pesquisas, Reich mapeou sete regiões, ou segmentos, no corpo que eram particularmente propensas a enrijecer-se. Desta rigidez surgiriam os demais males do homem, pois perdendo a capacidade elástica, a circulação da energia vital estaria prejudicada, consequentemente a qualidade energética do organismo seria pobre. Esta energia, que ela chamou de orgone, era a energia da própria natureza porém circulando no homem, suas conclusões a seu respeito partiram de experimentos, envolvendo a famosa caixa orgônica que demonstra sua existência à toda prova. Trata-se de uma caixa feita de material orgânico e metálico que tem a propriedade de acumular o orgone. Quem se dispuser pode sentir os efeitos benéficos desta acumulação entrando em uma caixa e percebendo a alteração de seu estado de saúde. Há uma correlação entre o orgone e as demais concepções de energia historicamente determinadas conforme citado acima.
Existem sete regiões do corpo suscetíveis de enrijecer-se e constituir-se em couraças musculares.

Podemos entender o papel da couraça ao comparar o organismo a um tubo atravessado por um fluxo de água, por exemplo.

É fácil perceber na figura acima que o fluxo sofrerá uma perda considerável provocada pela tensão no tubo. De modo geral é o mesmo que ocorre no ser humano, ou seja, a tensão muscular impede a livre circulação da energia, empobrecendo o organismo.
O trabalho terapêutico passa a ser desenvolvido agindo sobre a musculatura, afim de devolver-lhe a capacidade pulsátil. Quando isso é feito pode ocorrer uma abreação do afeto que foi posturalizado em determinada couraça, trazendo-o à consciência do paciente e permitindo uma reelaboração da experiência traumática.
A linha terapêutica de Reich e seguidores, como Lowen e Raknes, procura trabalhar focalmente sobre cada couraça, liberando a musculatura e permitindo ao paciente assimilar seus conteúdos correlatos. Há, contudo, outras tendências na psicoterapia corporal que procuram trabalhar com o corpo de modo mais abrangente e que demonstram resultados excelentes. Trata-se das escolas de relaxamento sistemático.
É impossível abordar este assunto e não falar de SCHULTZ e seu treinamento autógeno, provavelmente o precursor desta linha de trabalho. Em um encontro com Freud, ele sintetizou sua proposta de trabalho terapêutico dizendo que "pretendia ajudar as forças sadias do organismo a se desenvolverem", permitindo assim a cura. Com esta resposta singela, em verdade, caracteriza-se bem a essência da proposta do trabalho com o relaxamento. Enquanto a linha teórica anterior procura livrar o organismo de suas conseqüências patológicas, ou seja, as couraças, o relaxamento tem por objetivo intensificar a circulação de energia globalmente afim de que o próprio organismo se reequilibre.
Durante a prática do relaxamento, existem vivências associadas que apontam para o seu sucesso. Tratam-se das vivências de peso e calor. Esta associada à dilatação vascular e aquela ao relaxamento muscular. Elas ocorrem durante os exercícios que consistem em ordens mentais às diversas partes do corpo para provocar o que Schultz chamou de comutação do estado de tensão muscular.
Os efeitos benéficos foram formulados em termos do aumento da irrigação orgânica e da ausência de tensões crônicas que se traduzem no que o próprio Schultz chamou de aumento da segurança subjetiva. Esta situação seria responsável pelo aumento geral dos rendimentos do indivíduo tornando-o mais reativo e capaz de assimilar sua situações cotidianas. A redução de sintomas desagradáveis ocorrem concomitantemente ao domínio da técnica de relaxamento.
Jacobson foi outro importante nome na técnica de relaxamento, chamada por ele de relaxamento progressivo.
Sua técnica baseia-se no fato de que o indivíduo deve ser capaz de discriminar entre os extremos de tensão e relaxamento, utilizando para isso um rol de instruções programadas. Quando a diferenciação dos dois estados musculares está clara para o paciente ele será capaz de relaxar rapidamente em qualquer situação e conseguirá, consequentemente, controlar também sua ansiedade relativa aos problemas diários.
Usualmente, quando esta técnica é aplicada, costuma-se dividir o corpo em duas metades: a superior, formada pelas mãos, braços, pescoço, ombro e rosto e a inferior, formada pelas costas, peito, abdômen, nádegas, perna e pés. Para efetuar o relaxamento, as instruções dadas mencionam a necessidade de contrair cada parte isoladamente e em seguida relaxá-la, capacitando assim o indivíduo que relaxa a reconhecer as diferenças dos dois estados musculares.
Dentro da linha de trabalho de Jacobson, seus resultados práticos obtidos com o relaxamento concentram-se na redução da ansiedade do indivíduo. É recomendado portanto para distúrbios de ansiedade e fobias específicas, como complementar aos procedimentos de dessensibilização sistemática.
Outra proposta à nível de relaxamento corporal quem nos fornece é REGARDIE. Sua linha de trabalho baseia-se em dois fatos principais. Primeiro, ele considera as tensões musculares crônicas e desnecessárias como desperdiçadores de energia e segundo, para eliminá-las é necessário apenas estar consciente das mesmas.
Para este autor, o tensionamento muscular estabelecido em todo o organismo é responsável pela criação de uma espécie de casulo ao redor do ser humano, ocultando a verdadeira natureza e essência de cada um. O indivíduo tenso cria uma armadura de proteção contra o meio externo que o isola e o obriga a fechar-se em seu interior. A interação social acaba ocorrendo ao nível desta armadura tensa ao invés de partir do ser espontâneo e relaxado que habita dentro de cada um.
Além de todas as conseqüências decorrentes desta situação, a tensão muscular provoca um grande desgaste no organismo, sendo responsável pelo esgotamento físico tão peculiar de nosso presente. Segundo Regardie, cerca de 50% de nossa energia corporal pode ser desperdiçada em tensões musculares associadas ao medo, à preocupação, ao sofrimento, à excitação e outros fatores.
Conforme mencionado, a maneira de relaxar consiste em estar consciente da tensão, o que é conseguido por meio de uma técnica específica. O trabalho consiste em agir sobre as articulações como joelho, cotovelo, ombro, etc. Muitas vezes, o nível de tensão muscular não permite que estas articulações se dobrem ainda que não haja nada impedindo. Este teste pode ser feito por qualquer pessoa. Basta apoiar o antebraço sobre uma superfície qualquer, ergue-lo a 45º deixando o cotovelo em contato com a superfície e em seguida procurar relaxá-lo… Ele deve cair pesadamente sobre a superfície, produzindo um som intenso e seco ao chocar-se nela, porém nem sempre isso ocorre, como pode ser percebido em alguns casos. Ou o antebraço se recusa a cair, ou vai sendo depositado lentamente na superfície, ambas as situações são provocadas por tensões musculares crônicas. A evolução da técnica consiste em ir treinando o movimento até conseguir a queda perfeita e em seguida estender-se às demais articulações.
Segundo sua obra, os resultados desta técnica demonstram claramente melhoria no rendimento do indivíduo de modo global, afastando a sensação de esgotamento físico e mental e contribuindo para um autoconhecimento mais efetivo do organismo de cada um.
Dentro da psicoterapia corporal, convém examinar a posição de KELEMAN sobre a interação mente / corpo. Em sua obra, ele procura traçar todo um aspecto evolutivo do ser humano - desde seu nascimento, até a maturidade – acompanhando as alterações morfológicas que ocorrem concomitantemente às vivências emocionais.
Inicialmente, Keleman parte de considerações anátomo/fisiológicas para criar seu modelo de organismo, baseado nos diversos padrões pulsáteis existentes no corpo. Exemplos destes padrões são a circulação sanguínea, a respiração torácica, a respiração abdominal, o metabolismo celular, os processos de digestão e outros. A situação ideal de desenvolvimento humano seria contar com a harmonia e espontaneidade de todos estes padrões, fato que, todavia, é raro de ocorrer. O que se observa na prática é a presença de situações diversas de tensão e perda da elasticidade que dão lugar a estruturas corporais típicas.
Como estrutura anatômica básica, ele propõe a forma do tubo, que será atravessado por material orgânico ou por energia, conforme o caso. Pode-se perceber esta estrutura com facilidade no corpo humano, pois de fato existe uma organização tubular de nossos órgãos e tecidos. Isso pode ser percebido nos vasos, músculos, intestinos, estômago, etc.
Os tubos e os padrões pulsáteis fazem com que o organismo esteja sempre em movimento, pois há a contração e a expansão inerentes à pulsação. Estes movimentos estão interrelacionados com o funcionamento global do indivíduo, ou seja, possuem uma correspondência também à nível mental. A capacidade de expandir-se está associada com a capacidade de entregar-se ao mundo, a extroversão, e a capacidade de contrair-se, com o retorno para dentro de si próprio, a introspecção.
A estrutura tubular continua sua organização, mas desta vez dá origem a três bolsas, ou câmaras: a cabeça, o peito e o abdome. Estas bolsas possuem a mesma capacidade pulsátil já comentada e interagem de modo integrado para o funcionamento global do ser humano. A esta integração entre partes, Keleman chama autoconsciência individual.
Com o crescimento do ser humano, ele vai se desenvolvendo e amadurecendo impulsionado pelos padrões pulsáteis, porém determinados padrões de distresse emocional podem romper com a harmonia natural e criar condições de desenvolvimento não tão favoráveis, fazendo com que os tubos e bolsas se tornem rígidos, ou densos, ou inchados, ou colapsados. Exemplos desses distresses seriam o medo, o susto e a raiva que, em conjunto ou isoladamente, afetam a respiração. Pode-se paralisar o peito para evitar soluços, travar a boca para evitar o grito e enrijecer o diafragma para não demonstrar quaisquer emoções.
Posso citar Keleman para sintetizar estas idéias: "A anatomia humana é um processo cinético e emocional dinâmico. A anatomia dá uma identidade, uma forma reconhecível específica e um funcionamento que tem como base esta forma… Formas anatômicas específicas produzem um conjunto correspondente de sentimentos humanos".
Com base nestas informações apresentadas, Keleman defende o ponto de vista de que o histórico das vivências emocionais de um indivíduo está então registrado em seu corpo. É preciso investigar claramente quais os padrões físicos associados com cada indivíduo para chegar a uma compreensão dele como um todo e então adotar medidas terapêuticas eficazes. Dentro desta proposta, o terapeuta trabalharia os aspectos físicos relativos à estrutura e encorajaria seu paciente a determinadas ações que ampliassem seu modo de existir. Por exemplo, uma pessoa possuidora de uma estrutura inchada estaria associada a alguém sem muitos limites que se traduzem na sua própria corporeidade, para ele seria importante trabalhar estas questões organizando suas fronteiras corporais, permitindo uma autopercepção mais eficaz e buscando estruturar seu organismo e seu modo de ser.
Com esse texto, esperamos que você tenha dado o seu primeiro passo para o entendimento da psicoterapia corporal. Procuramos aqui reunir um material suficiente para mostrar um bom panorama neste terreno e embasar outras considerações futuras. Na prática, as Teorias Biocêntricas podem interagir e, de fato, o fazem. Alguns procedimentos são mais genéricos , outros mais específicos, o que não perdemos de vista é o respeito por sua individualidade , pois em meio a tantos recursos não se justifica submetê-lo a situações desagradáveis.
Há, contudo, diferenças teóricas bastante relevantes entre todas as linhas que utilizamos no BIOCENTRUM. Por exemplo, ao se trabalhar sobre às couraças musculares segundo a técnica reichiana estamos removendo uma conseqüência de inadaptação, porém não a disposição orgânica para produzir novas couraças. Daí, em alguns casos preferirmos , o uso do relaxamento, por ser mais eficaz a longo prazo, pois permite efeitos menos reincidentes.

" Nós somos amigos e iguais, nós somos diversos e únicos, e somos unidos por algo maior que nossas diferenças "